Os amantes da voz da cantora e compositora pedritense Lara Rossato foram presenteados, no último mês, com o lançamento de Entre dois tempos, o mais recente EP da artista. Disponível em todas as plataformas digitais, o álbum, composto por seis faixas, convida à introspecção e propõe um diálogo entre o passado e o presente.
“Sempre me senti vivendo entre dois tempos. Eu viajo, canto, circulo, e quando volto tô no galpão, tomando mate e vendo minha avó fazer doce como sempre fez. Ao mesmo tempo, registro tudo com o iPhone e ouço o pessoal falando de Inteligência Artificial. Esse contraste faz parte da minha rotina. Quando comecei a compor o EP, quis falar justamente disso, porque quando a gente fala do que é real, as pessoas se reconhecem”, comentou Lara em entrevista ao Folha na última terça-feira (11).
Produzido pela artista em parceria com Joaquim Velho, o trabalho reúne composições inteiramente autorais. “As letras nasceram dessa mistura: a saudade do que passou, esse passado que ainda persiste, cantado por uma mulher que também está conectada com o agora. Foi o celular que impulsionou minha carreira quando comecei a criar conteúdo sobre meu chão e sobre a nossa história como gaúchos. É com ele que sigo lançando essas músicas e é com ele que me conecto com as pessoas que gostam do meu trabalho”, destaca.
Introspectivo como as demais obras da artista, Entre dois tempos apresenta uma Lara mais madura e disposta a se mostrar por completo. “Eu não me separo entre artista e pessoa. Eu sou a mesma em tudo que faço. A introspecção faz parte de mim. Me considero uma pessoa sensível, um pouco melancólica também. Às vezes a gente dá tanta força para os outros e esquece de fazer pela gente”, avalia.
Entre as faixas do EP, uma das mais emocionantes é, sem dúvidas, Larita — um encontro entre a menina e a mulher. “Larita é como se eu estivesse me dando um conselho, falando comigo mesma na frente de um espelho”, conta a artista que, em 2020, deixou a capital e voltou a viver com a família no interior de Dom Pedrito, o que considera um grande acerto.
“Interpretei os sinais de Deus. Nada mais estava fluindo na capital, acho que nunca esteve. A pandemia foi a gota d’água e tomei a decisão de retornar. Na época foi uma loucura para mim e na verdade eu não me importei muito com o que os outros pensavam, estava focada em seguir minha intuição. Encarei como um ‘desistir de tudo’. Quis não pensar mais em música, em correr atrás de dinheiro, em não desejar mais nada pra entender quem eu era sem essa vontade de querer ‘ser cantora’”, reflete.
De lá pra cá, Lara lançou diversos singles, dois álbuns e ecoou seu canto em palcos dentro e fora do Rio Grande do Sul, como no Festival Salve o Sul, em São Paulo, no ano passado. Outra mudança registrada nesse período foi o surgimento da 'Lara influenciadora digital'.
“A Lara criadora de conteúdo primeiro nasceu sem planejamento. Eu só comecei a mostrar minha rotina, o campo, o mate, as coisas simples que fazem parte de mim. Quando vi, muita gente se identificou. Vi que existia uma demanda, um interesse genuíno na minha vida ‘pacata’. Comecei a estudar para entender como fazer vídeos para alcançar mais pessoas, porque não era só filmar e postar, tem todo um processo por trás. Meus primeiros vídeos começaram a viralizar muito nessa época em que não existia conteúdo gaúcho nativo”, recorda. Atualmente, Lara contabiliza 227 mil seguidores no Instagram.
“Produzir conteúdo abriu portas e levou minha música pra públicos que talvez nunca chegassem até ela. É gostoso poder usar minha criatividade em várias frentes que não só música. Essa descoberta me fez muito bem!”, afirma.
Além da voz e da poesia, o estilo de Lara também chama a atenção. No último dia 4, ela participou do festival O Grande Encontro, em Porto Alegre, e subiu ao palco com um figurino inspirado em uma roupa usada por Ieda Maria Vargas – gaúcha vencedora do Miss Universo em 1963. Confeccionado por Dori Scheeffer, o figurino partiu de uma ideia da própria artista.
“O palco do O Grande Encontro dá essa liberdade de se expressar, porque reúne artistas de vários estilos dentro da música gaúcha. Então eu quis aproveitar essa oportunidade e levar não só a voz, mas uma mensagem, homenagear Ieda Maria Vargas, uma mulher gaúcha que levou nossa cultura pro mundo. Ela usou chiripá em um dos desfiles, um gesto simbólico e muito corajoso pra época”, destaca.
Essa foi a segunda participação de Lara no evento. “Na primeira, usei um vestido preto longo com um tirador, o que gerou algumas críticas dos mais conservadores, que diziam que mulher não usava tirador. Mas a peça estava ali justamente pra homenagear o homem do campo, o peão que está em extinção. Cada pessoa tem o direito de interpretar como quiser, mas eu sigo me expressando com respeito. Jamais vão me ver desrespeitar a tradição, só que também não vou deixar de me vestir com propósito e transmitir uma mensagem por medo de críticas. Isso é ser gaúcho”, ressalta.
Com uma agenda cada vez mais atribulada, a artista se apresenta neste sábado (15) no Confraria Nativista, em São Borja, e já faz planos para o próximo ano. “Quero retomar o conceito do Entre dois tempos, lançando novas músicas. Também pretendo ampliar os shows pelo estado e fora dele, com uma proposta mais autoral. Quero gravar com artistas que admiro e estou feliz, pois já recebi a confirmação de alguns. Se Deus quiser, 2026 será um ano mais focado em mim, de firmar o que venho construindo”, finaliza a cantora — que segue Entre dois tempos e cada vez mais dona de si.

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