Foto: Michelle Rodrigues/Seapdr |
Após uma redução nas duas safras anteriores, as denúncias sobre deriva de defensivos usados em lavouras de soja que chegam à Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) voltaram a aumentar neste ano. Desde agosto, já foram comunicados ao órgão 99 casos, que resultaram na coleta de 273 amostras para análise e confirmação de contaminação em propriedades rurais. O problema ocorre quando os insumos, transportados pelo vento, atingem plantações vizinhas.
As queixas envolvem principalmente as culturas da uva, da noz-pecã, da oliva e de hortaliças, que sofrem danos com a dispersão de agroquímicos como o herbicida hormonal 2,4-D.
Nos anos de 2020, 2021 e 2022, foram registradas, respectivamente, 144, 98 e 63 denúncias de deriva no período de agosto a dezembro. Segundo o engenheiro agrônomo e diretor do Departamento de Defesa Vegetal da Seapi, Ricardo Felicetti, os números vinham mostrando queda desde a publicação, pela secretaria, de instruções normativas com relação a treinamento de aplicadores e a declaração de uso dos produtos. O aumento verificado atualmente era esperado.
“Em virtude do ano chuvoso e da janela de plantio muito curta, os produtores (de soja) estão correndo para semear e muitas vezes não observam as condições metereológicas recomendadas e as questões técnicas para uso do equipamento”, explica Felicetti.
O proprietário da Vinícola Guatambu, de Dom Pedrito, Valter Potter, diz que a deriva de insumos têm causado enormes prejuízos aos produtores de uva. Segundo ele, todos os vinhedos do município e parte das plantações de uva de Bagé e de Livramento estão enfrentando o problema, e a entidade vem incentivando os produtores a comunicar os casos.
“No ano retrasado, no ano passado, o pessoal estava desestimulado, porque faz a denúncia, a coleta, dá positivo e fica por isso. Não tem indenização, o Estado não toma medidas, não existe fiscalização de aplicação”, reclama.
Com cerca de 14 mil videiras, o vinhedo mantido pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa), no campus Dom Pedrito, é um das áreas prejudicadas pela deriva de 2,4-D. Localizado às margens da BR 293, o campo experimental de 4,5 hectares concentra 87 variedades de uva e foi criado em 2014, como apoio ao curso de bacharelado em Enologia da universidade.
O enólogo e professor Marcio Gabbardo afirma que, neste ano, a deriva vem ocorrendo com maior intensidade. “Em variedades mais sensíveis, como Gewürztraminer, Manzoni Bianco e Bordô, a planta está com 50% a menos de folha, e isso afeta diretamente a produção. Em alguns casos, há mais de 50% de perda da área foliar das plantas”, relata Gabbardo. O problema é percebido também na zona urbana do município. “Tenho um vinhedo na minha casa, com umas 50 plantas, e aqui há deriva de 2,4 D”, afirma o professor.
Quando a lavoura de origem do defensivo é identificada – pela equivalência entre o princípio ativo aplicado e o que atingiu a propriedade vizinha –, os infratores podem arcar com multas de até R$ 21 mil, diz Felicetti. Para o agrônomo, o aumento de denúncias aponta a necessidade de qualificar maios os produtores, aplicadores e responsáveis técnicos. “Talvez esta safra seja um momento de reavaliarmos todo o processo que vinha trazendo resultados satisfatórios”, diz.
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