Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa: babalorixá Lethery Leal comenta importância da data e recorda início na vida religiosa

 

(Foto: Acervo Pessoal/Reprodução)


O dia 21 de janeiro assinala a luta contra a intolerância religiosa no Brasil. Instituída em 2007, a data faz alusão à morte da Yalorixá Mãe Gilda, dirigente do Terreiro Abassá de Ogum, na Bahia. A religiosa foi vítima de ataques em duas ocasiões que, segundo os familiares, debilitaram sua saúde e resultaram em um infarto fulminante.

Em um país cuja maioria da população se diz cristã, as religiões de matriz africana são os alvos mais frequentes de perseguição, ofensas e do chamado racismo religioso. Somente em 2021, o número de denúncias por intolerância contra as religiões afro-brasileiras aumentou em mais de 270%, chegando a 244 casos. A data serve para conscientizar, promover debates e assegurar o livre exercício da fé – direito de todo cidadão.

Segundo a doutora em História, Clarisse Ismério, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é extremamente oportuno, servindo, de certa forma, como reparação histórica às inúmeras tentativas da sociedade de invisibilizar os cultos de origem afro-brasileira. Ela destaca que o preconceito contra as religiões de matriz africana está diretamente ligado ao racismo estrutural, indo além de questões culturais ou da religião propriamente dita.

Mas os tempos estão mudando, e cada vez mais as pessoas sentem-se encorajadas em manifestar publicamente a sua fé. Em Dom Pedrito, por exemplo, além da instalação de uma imagem de Iemanjá no Balneário Passo Real e da implementação do feriado do dia 02 de fevereiro, um projeto de autoria da vereadora Mara Brum (PDT) instituiu no calendário oficial de eventos do município uma homenagem, realizada a cada dois anos pelo Poder Legislativo, às casas de religião de matriz africana da Capital da Paz.

A última deferência ocorreu em dezembro do ano passado, e contou com a presença de diversos dirigentes, entre eles o babalorixá Lethery Carrera Leal. “Aos poucos nós estamos conseguindo tomar uma proporção maior junto à sociedade. E tudo o que vier enaltecer a nossa religião é muito bem-vindo”, afirma o líder religioso.

Extremamente reservado, Lethery aceitou conversar com a reportagem do Folha na última segunda-feira, dia 13. Essa foi a primeira vez que o babalorixá abriu sua casa, uma das maiores da cidade – se não a maior –, e falou com um veículo de comunicação. O Reino D’Oxalá Moquexê conta com aproximadamente 150 filhos de santo.

Atuando há vários anos como babalorixá, ele explica que trabalha com três vertentes religiosas: a Nação ou Batuque Gaúcho, onde são venerados os orixás, que são as forças da natureza; a Umbanda, cujo culto é direcionado aos espíritos de caboclos, pretos velhos, caciques indígenas e crianças; e a Quimbanda, onde são cultuados os exus e pombas-gira.

Para Leal, é de extrema importância ter uma data que assinale e memore a luta contra o preconceito. “A função principal da nossa religião, além de cultuar os orixás e ajudar as pessoas, é preservar a nossa tradição. E isso está diretamente ligado aos que vieram antes de nós e que sofreram muito. E muitas vezes, até hoje, a gente também sofre inúmeras discriminações. E todo e qualquer ato intolerante deve ser combatido”, pondera.

O babalorixá

Lethery Carrera Leal começou cedo em sua missão espiritual, iniciando-se na religião com aproximadamente 16 anos. Com o passar dos anos, tornou-se uma das maiores referências religiosas no município – e também fora dele, pois já prestou atendimentos a pessoas de outros estados e até mesmo do Uruguai. No entanto, não era esse o futuro que ele imaginava.

“Eu nunca quis ter casa de religião, nunca quis ter filhos, adeptos, seguidores. Nem atender eu queria. Consegui permanecer assim por alguns anos, até que uma amiga me relatou algo que estava acontecendo na vida dela. E eu sabia como ajudar. E ajudei. A partir daquele momento muitas coisas começaram a melhorar na vida dela, e ela reproduziu essa situação pra outras pessoas. Quando eu me dei conta já eram oito ou nove pessoas aqui dentro de casa buscando um auxílio”, recorda.

Vindo de uma família humilde, ele conta que na época não possuía uma estrutura adequada para comportar tanta gente. “Eu só tinha um altar de Umbanda, com meia dúzia de imagens. E quando percebi o que estava acontecendo na minha vida, me ajoelhei diante daquelas imagens e fiz uma promessa: se era essa a minha missão, que eles me mostrassem, e que a partir daquele momento, todo o dinheiro que entrasse pela religião seria investido na religião. As únicas coisas que pedi foram saúde e que eu continuasse com o meu emprego”, diz. Lethery é funcionário público há mais de duas décadas.

O babalorixá realiza diariamente atendimentos particulares através do jogo de búzios – oráculo que permite comunicação com os orixás – e também de consultas com incorporações, mas salientou que há dias em que a casa é aberta à população e os atendimentos são feitos de forma gratuita. O Reino D’Oxalá Moquexê fica localizado na Rua Rômulo Xavier, 239, esquina com a Pedro Paz Sobrinho.

Intolerância religiosa é crime

No Brasil, a intolerância religiosa é considerada um crime inafiançável e imprescritível que fere os direitos humanos e a liberdade de crença. São considerados atos intolerantes ofensas e escárnios públicos voltados à religião, profanação de objetos ou locais de culto, impedir ou perturbar cerimônias religiosas e vilipendiar publicamente objetos ou atos religiosos.

Denúncias de intolerância religiosa podem ser feitas à Brigada Militar, através do 190, ou reportadas à Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos pelo Disque 100. Entidades como o Ministério Público e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) também possuem comissões ou representações que acolhem as denúncias.


*Reportagem publicada originalmente na versão impressa

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