PAIS (IR)RESPONSÁVEIS: JUSTIÇA?

Há pouco mais de dez dias a televisão nos impactou com um acidente de trânsito em Caxias do Sul que destruiu uma família diante da morte da mãe e filho. Ela com 33 anos e a criança com tenra idade. O pai continua internado em estado grave. Talvez, se lhe for permitido lapsos de consciência, noção alguma terá do que aconteceu. O causador do acidente: um adolescente de 17 anos, com sintomas de embriaguez, que trafegava em alta velocidade, quando avançou o sinal vermelho e colidiu violentamente com o automóvel das inocentes vítimas.

Familiares e amigos se mobilizaram e caminharam em grupo para protestarem clamando por justiça. Mas, eis uma dúvida que surge, que justiça? Nós que recebemos a notícia, assim como seguidamente recebemos outras, envolvendo particularmente adolescentes, seja com envolvimento em infrações de trânsito ou tantos outros “crimes”, formamos o meio social, este mesmo que se impressiona com tragédias assim e que clama por justiça.

Cada qual de nós, com o nosso “modus vivendi”, constituímos a sociedade atual, exatamente essa que o adolescente “infrator” compunha, e que os seus pais compõem. Poder-se-ia dizer que a sociedade na qual vivemos é repleta de jovens infratores com seus respectivos pais. Pois bem, qual foi a causa do ocorrido tão triste? O menor de idade dirigindo sem habilitação? O menor de idade no volante, desabilitado e embriagado? Qual destes foi o fator decisivo?

O ECA (Estatuto da Criança do Adolescente) é uma das leis mais idealistas que conheço, porém a reverencio. Ela visa a formação de uma sociedade literalmente cidadã e consequentemente próspera, visto que almeja o tratamento preciso dos seres que formarão o futuro que concebemos como adequado. Infelizmente a estrutura governamental do nosso país ainda não permite a prática e o desenvolvimento desta importante ferramenta legal de condução desse valioso relacionamento social.

Nesse contexto todo, existe uma célula fundamental, a família, que tem seu papel previsto no referido estatuto, alicerçado por nossa lei mãe, a Constituição Federal. No que concerne a tão considerável núcleo social poderíamos discorrer sobre vários aspectos no sentido de entender os motivos de sua alegada degeneração. É essencialmente interpretativo, ou seja, cada qual poderá explicar o porquê da família estar desvirtuada dos princípios legais e morais. Entretanto, é induvidoso que nela realmente existe um problema, e que é neste âmbito onde se encontra o embrião de tantas tragédias, como esta que ceifou de maneira tão ignóbil a vida de mãe e filho, impedindo uma expectativa de felicidade.

Devemos nos ater que infortúnios como este são meramente alguns noticiados, porquanto existem outros não selecionados, e outros tantos que ficam apenas na iminência, diante do grande risco de acontecer, pois é sabido ser incontável o número de meninos e meninas que infringem a lei ao conduzirem automóveis e muito comumente alcoolizados.

Quando digo isso não significa ser admissível que menores consumam álcool e outras drogas longe do volante, porque entorpecidos também vitimam em outras inúmeras circunstâncias. Ao referir-me sobre a dúvida de qual a justiça se suplica é porque não sei se o desejo é de penalizar com rigor somente o adolescente. Penalizá-lo com os dispositivos da lei que visa regular um meio social que é apenas um ideal?!

Nesta justiça, como ficaria a sociedade na qual cada um de nós está inserido? Essa sociedade que nós somos os formadores, que de maneira indireta permite inconsequentemente que seus jovens façam do consumo do álcool algo cada vez mais corrente? Estariam alheios à justiça os pais que, sob a pecha da incapacidade, travestida de irresponsabilidade, simplesmente deixam de lado o controle de seus filhos, para depois, se sentindo vitimados, em nome da sociedade, criticarem as leis e órgãos públicos, como se aquelas fossem imprecisas e estes inábeis?

A justiça postulada atingiria os pais do jovem infrator, os quais negligenciaram a chave do automóvel com o qual restou fulminada a família? Os pais que, como tantos outros, talvez sejam os que também se impressionam com as notícias, criticam e até justiça costumam pedir? Os pais que, como tantos outros, não se importam devidamente com o álcool e outras drogas na vida de seus filhos? Eis o que se deve almejar por justiça.

É necessário ter olhos para a causa, refletir sobre a origem do mal, refletir sobre o ensejo da tragédia. Por isso, a mão da lei deve também alcançar severamente aqueles incapazes de cuidarem seus filhos. A justiça precisa ser plena e extensiva. Ora, requer-se que gestores de organizações privadas e públicas sejam punidos rigidamente quando causam prejuízos! Mas e quanto aos “gestores de famílias”, não deverão ser devidamente repreendidos quando de outra maneira causam prejuízos à sociedade?

Alguém já viu pais justamente responsabilizados pela insensata liberdade de seus filhos, regada a qualquer tipo de droga, em especial a droga da negligência? Quando a família voltar-se para o seu sublime significado, espiritualizar-se no seu seio (e porque não através da religiosidade)?, quando os pais cumprirem com suas devidas atribuições, a Justiça tenderá a fixar-se por si só, pois um filho bem educado tem efeito reflexivo e multiplicador, ou melhor, um filho de um filho bem criado tenderá a ser um bom pai.

Geancarlo Loreto Laus – Advogado e presidente do Comdica (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente)

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