O promotor Francisco Saldanha Lauenstein recebeu a reportagem do Folha, onde foi concedida entrevista, abordando diversos assuntos ao qual o Ministério Público tem se destacado pela sua atuação. Um desses assuntos foi a Ação Civil Pública (ACP) por improbidade movida contra os ex-secretários de Saúde durante a gestão Lídio Bastos (2013-16).
O Folha obteve acesso aos documentos da ACP, com informações sobre o processo. Conforme informou o promotor, o próximo passo é uma ação penal por peculato.
Álvaro Raul Zanolete e Ivanúcia Maciel Severo não teriam prestado contas quanto a compra de medicamentos, no período em que ocuparam a Pasta - os medicamentos eram custeados por meio de alvarás judiciais. De acordo com o promotor, foram R$ 215 mil em prejuízos, sendo que Zanolete teria pego R$ 22 mil, enquanto Ivanúcia sacou o restante, R$ 192 mil, sem prestação de contas ou fornecimento do medicamento. "O dinheiro desapareceu", denominou Lauenstein. Zanolete também teria indicado - logo depois, ele foi nomeado - um sobrinho para trabalhar na administração, portanto, se tratando de um caso de nepotismo.
Saldanha aponta que a atuação do MP segue no sentido de apurar onde os recursos foram empregados. Por exemplo, no período, o ex-secretário comprou um carro e duas motos, além do casal guardar valores - em "dinheiro vivo" - na própria residência. Em março de 2018, o promotor solicitou bloqueio de bens dos ex-secretários, deferido pela Justiça. Zanolete, que concorreu ao cargo de prefeito nas eleições de 2016, utilizou R$ 27 mil na campanha, valor não declarado. A promotoria dispõe de mais de 1000 páginas de diálogos entre Ivanúcia e Zononete apenas no WhatsApp, colocados na ação civil.
O próximo passo, segundo o promotor, é entrar com a ação penal por peculato. Segundo o MP, apesar de Zanolete ser exonerado para candidatar-se, ele continuou controlando a Secretaria de Saúde.
"Importante ressaltar que os fatos somente vieram a lume após a troca de gestão do Município, em razão de o atual Secretário de Saúde não cobrir os “rombos” deixados pelos requeridos, inclusive, informando aos Juízos que as pastas que deveriam conter os documentos referentes a eventuais prestações de contas pendentes foram esvaziadas por Ivanúcia ao deixar o cargo de Secretária Municipal de Saúde", diz a ACP.
Conforme o MP, em razão da função pública desempenhada - Secretário(a) Municipal de Saúde, os alvarás judiciais eram expedidos em nome dos requeridos para a aquisição, através de verba pública bloqueada judicialmente, de medicamentos e tratamentos de saúde, que posteriormente deveriam ser destinados aos pacientes e prestadas as contas quanto à destinação do valor e devolvido, caso houvesse saldo remanescente.
A reportagem do Folha teve ao acesso aos depoimentos. Abaixo, Ivanúcia confirma que atuava como "laranja", pois mesmo sendo secretária, os demais se reportavam a Zanolete como autoridade da Pasta.
O Ministério Público também ouviu uma servidora municipal da Pasta, que relatou, que em determinada ocasião, após uma discussão com Zanolete, a ex-secretária confirmou que recebia cerca da metade do salário.
A promotoria também analisou conversas de WhatsApp e Facebook dos dois. Chama atenção, segundo o promotor, que os próprios diálogos evidenciam que não houve desvinculação de Zanolete da Secretaria. Ivanúncia afirma, em uma das mensagens, ter saído com uma dívida considerável.
Confira:
No próximo diálogo, Ivanúcia questiona Zanolete quando ele resolveria a questão dos alvarás.
O Ministério Público postula que, conforme supramencionado, a desincompatibilização foi simulada, não havendo completo desligamento de Álvaro Raul do cargo de Secretário Municipal de Saúde de fato, visto que o requerido continuou com forte influência nas demandas da Pasta.
Segundo o MP, também eram escolhidos pacientes para "passar na frente" dos demais em relação a consultas e exames médicos.
O Ministério Público também extraiu diálogos de Raul com um pessoa, que solicitava exames para sua mãe. Mesmo após deixar de ser o titular da Pasta, assegurava o encaminhamento solicitado
Em outro depoimento colhido, de uma servidora, ela disse ao promotor que Raul tinha livre acesso a Secretaria.
Em um dos diálogos, verifica-se que além do depósito em conta bancária pessoal, parte dos valores oriundos dos alvarás, foram levados para a residência dos requeridos (fato que se confirma por vários depoimentos), ou seja, não estavam à disposição dos pacientes na Secretaria Municipal da Saúde para aquisição dos medicamentos, insumos e tratamentos de que necessitavam.
Em depoimento, Ivanúcia confirmou a entrega de R$ 70 mil a Zanolete em frente ao seu comitê de campanha.
O Ministério Público ilustra o contexto na situação de uma paciente que ajuizou ação judicial postulando o medicamento Formoterol, Fumarato 12mcg + Budesonida 400mcg, pois era portadora de enfisema pulmonar. A paciente somente recebeu via administrativa (AME) o medicamento em 13/07/2016, embora o alvará judicial expedido e entregue para a requerida IVANÚCIA em 26/04/2016, que não comprou o medicamento. A paciente faleceu em 11/02/2017, constando como causa mortis “embolia pulmonar.
Outro caso explicitado na ACP, é de uma senhora que aguardava cirurgia no valor de R$ 63 mil, porém o serviço médico não foi contratado. O MP identificou, em uma conversa que o valor sacado dos alvarás foi utilizado para compra de uma motocicleta.
Aqui, Ivanúcia fala ao promotor:
Alguns valores na campanha de Zanolete, que não foram devidamente declarados, restando na reprovação das contas junto à Justiça Eleitoral.
A ACP também descreve outras irregularidades, como enriquecimento ilícito, uso da máquina pública para fins eleitorais, violação dos princípios da administração pública. Por fim, resta o Dano Moral Coletivo, pois foram lesadas, segundo a promotoria, 49 pessoas "as quais tiveram o direito à saúde tolhido pela ganância dos requeridos".
"Diante de tais balizas, o Ministério Público sustenta que o dano moral coletivo não deve ser fixado, no caso concreto, em menos de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a ser suportado solidariamente pelos demandados."
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