Luciana Michel


Árvore, livro, filhos e muito mais

 A idade vai avançando, as rugas chegando, a cabeça mudando, as perguntas aumentando e as certezas diminuindo. Ainda me questiono muito sobre “de onde viemos e para onde vamos”.Quando paro e penso que a única certeza que temos na vida é a morte, não consigo perdoar Deus por tamanha crueldade. Sim, tenho que responsabilizar alguém pela minha fé nada inabalável, não é? Sabendo que Ele tem as costas quentes, não vejo outro ser mais superior a quem possa atribuir essa culpa.  Fico pensando se eu morresse hoje, morreria feliz? Tantas coisas que ainda não fiz, ainda não mudei, ainda não comprei, não conheci, não experimentei. Tantas que ainda poderia fazer e outras tantas que nem se vivesse duzentos anos conseguiria. Será que vivi como deveria? Será que ao menos fiz o básico do certo que um ser humano tem que fazer?Uma vez li, e adorei, que até um relógio parado, pelo menos duas vezes por dia, está certo. Alguma coisa, nem que seja uma só, por mais errada que seja a pessoa, ela fez de bom. Talvez tenha sempre alguma vantagem em troca de coisas que julgamos desvantagens. Talvez o que não fazemos certo seja relevado e compensado pelo que fazemos de bom. Talvez regras não existam. Nem lembro se já plantei uma árvore, bom, isso ainda posso fazer. Adoraria escrever um livro, sabe-se lá sobre o que! E tempo para isso? Fico adiando sempre o começo, talvez por não conseguir admitir que o que não tenho mesmo é talento. Por outro lado, tenho duas filhas lindas e cheias de saúde, que ainda podem povoar esse mundo de árvores e a quem eu posso deixar muitas histórias para contar. Será que estou me absolvendo do livro? Queria confiar mais em Deus,a fé responderia bem facilmente todas as minhas questões, apesar disso, acredito piamente no amor e no bem que se faz ao outro. Isso significa estar perto d’Ele, não? Queria ler mais, como lia antes. Pessoas incríveis, leem muito, e eu queria ser incrível!  Porém, confesso que minha preguiça, aliada às facilidades de diversão instantânea, como Netflix e seus amiguinhos, absorvem meu tempo de leitura. Bom, realmente não sou incrível, mas sou viciada em séries!Queria ter sido famosa! Não fui, e cá para nós, estou achando que não serei pelos próximos cem anos. No lugar da fama, me sinto tão amada por minha família e amigos! Quer estrelato maior que esse? Queria comer menos, beber mais água, ter malhado a vida inteira e chegar aos cinquenta anos com um corpo escultural. Se não tenho disposição para me enfurnar numa academia e puxar ferro, ganhei como cenário as ruas de Paris para fazer meu nada power jogging de cada dia. Se não bebo tanta água, aprecio um bom vinho. Vou dever a barriga tanquinho, em compensação, ainda tenho saúde para dar e vender.Queria saber falar de política, economia, ciência quântica. Por outro lado, sei que sou capaz de fazer quem me rodeia dar boas gargalhadas. Sei escutar quem precisa ser ouvido. Para que a ciência quântica, então? Queria comprar menos, não desperdiçar nada, economizar mais. Não consigo, mas adoro dar presentes! Queria pensar a metade e agir o dobro. Ter mais paciência e menos pressa. Exigir menos, me doar mais.Queria ser mais aventureira, ter vontade de saltar de paraquedas. Nunca tive essa vontade, assim como também nunca me senti tão mal na vida a ponto de querer me atirar em queda livre, da janela de um andar bem alto. Queria não ter tantos medos, embora eles não me tirem a coragem. Queria ter mais certezas e menos dúvidas. Será que conheci todos que deveria, que namorei o suficiente? Em todo caso, encontrei o amor e construí uma família feliz. Será que peguei o bom caminho? Como saber se não existiam outros melhores? Sabe-se lá. Mas o que escolhi trilhar me trouxe até Paris. Será que ainda vou ter tempo para ter minhas respostas? Ou será que em tempo vou saber que elas não são necessárias? 

 Então, enquanto a vida não me responde algumas coisas, eu posso dizer que não, se morresse agora não morreria feliz! Porque ainda acho cedo, porque ainda quero mais e mais tempo! Porque nem lembro se plantei uma árvore e porque ainda vou escrever meu livro. Porque quero ver minhas filhas se tornarem mulheres. Porque quero esperar meu marido se aposentar e viajar mais com ele. Porque não sei o que tem depois. Porém, sabendo que não cabe a mim escolher o momento em que a fatídica única certeza que temos, não chega, vou tentando fazer o meu melhor e entendendo as vantagens de ser quem eu sou.

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