Durante a semana em que ocorreu a 13ª Feira do Livro de Dom Pedrito, nós conversamos com o homem que este ano foi o seu patrono - José Antonio de Vargas Dias Lopes. Muito amistoso, José Antonio nos recebeu na residência de seu irmão Ruy Francisco, o Chico dentista, que vinha comandando a Assessoria de Cultura do município. Imaginem é para um simples repórter interiorano, entrevistar ninguém menos do que um dos fundadores da Revista Veja, da qual já foi, inclusive, correspondente internacional, com base em Roma – Itália de 1987 a 1990. Confesso que meu sentimento era, ao mesmo tempo, um misto de nervosismo e expectativa, que ele logo deu jeito de desfazer, quando a ele me dirigia chamando-lhe de “senhor Antonio”- “Para com isso, me chame de tu ou de você, como queira, afinal somos colegas”, tratou logo de dizer-me, a quem, daquele momento em diante, era simplesmente José Antonio.
Meu entrevistado, pedritense nato, começou sua história com as letras muito moço, no então Ginásio Nossa Senhora do Patrocínio, em um jornal chamado “O Estudante”, quando descobriu sua vocação para o jornalismo. Com 14 anos publicou seu primeiro livro, sobre a história de Dom Pedrito, onde também escreveu na imprensa local. Depois disso mudou-se para Porto Alegre, onde ficou por algum tempo, até se mudar definitivamente para São Paulo, onde reside desde então, há quase 50 anos. Nessa época, José Antonio integrou a equipe de pessoas que fundaram a revista Veja, como dissemos no começo. Hoje em dia ele escreve uma coluna na versão digital da mesma revista.
Folha: Como surgiu o gosto pela gastronomia?
José Antonio: Eu me especializei em gastronomia histórica inspirado em um autor espanhol que eu conheci em 1989, em Barcelona, quando estive na Espanha para cobrir a reeleição de Felipe Gonzalez, nessa época, andei pela Espanha inteira. Bom, visitando Barcelona fiz algo que faço em toda a cidade que visito, vou à livraria e no mercado público da cidade. Em uma dessas livrarias encontrei um livro de um autor chamado Néstor Luján, que era um intelectual catalão e fazia o que eu faço aqui no Brasil. Comprei esse livro, levei para o hotel, voltei na livraria e comprei todos os livros dele que encontrei. Eu pensei: “Se ele fez isso aqui na Espanha, eu posso fazer no Brasil, porque tem muita história também lá”. Só que eu não me detenho apenas na história da comida brasileira, até porque a comida é universal, mas em geral, falo de coisas que são próximas a nós, eu não vou falar de pratos que não existem no Brasil não é?
Folha: a nossa culinária é fruto da influência que teve da imigração de pessoas de várias partes do mundo, não é assim?
José Antonio: Sim, mesmo a cozinha portuguesa quando chegou aqui, já estava “afrancesada” né, porque dona Maria I, que era mãe de Dom João VI, ela era francófila, e tinha um cozinheiro francês. Então essa cozinha chegou aqui, ela foi provada e se espalhou pelo país. Depois vieram as outras influências ao longo dos séculos.
Folha: Sua influência, então, nasceu a partir daquele autor espanhol?
José Antonio: Sim, desse autor espanhol. Eu faço exatamente o que ele fazia, só que os temas dele eram outros, só europeus, eu não, eu escrevo sobre a cozinha brasileira, cozinha latinoamericana, cozinha européia, cozinha asiática. Outro dia eu escrevi na veja.com, e que teve grande repercussão, sobre o “sonho de padaria”. Esse sonho é um doce prussiano, que foi criado por um ex-recruta. Ele teria sido convocado para prestar o serviço militar, mas ele era muito fraco e parece que meio tímido e acabou sendo dispensado por isso, o que o deixou muito frustrado, pois ele estava na Artilharia e adorava dar tiro de canhão.
Depois ele foi para uma padaria, onde era ajudante de padeiro e criou um pão inspirado na bala do canhão, que era o que ele mais gostava, daí o doce ficou bem grande. Então, na crônica eu conto um pouco essa história, a história dele, a história da Prússia, sempre assuntos relacionados à historia de um prato, com algumas atualidades, é claro. Minha última crônica que deixei lá postada é sobre o molho inglês que está fazendo 120 anos, e tem uma historia fantástica, curiosíssima.
Folha: você começou a desenvolver esse trabalho na década de 1990, então?
José Antonio: Isso. Em 1991 eu comecei.
Folha: Você publicava esse material sempre na revista Veja?
José Antonio: Não, até então eu não escrevia sobre isso. Quando eu estava na Veja, (fiquei durante 23 anos), as reportagens sobre comida, bebida, eu escrevia porque gastronomia não tinha o charme, o poder de sedução que tem hoje. Naquela época o assunto dominante era a ecologia. Mas eles me davam esse assunto porque eu gostava de comer, de beber, gostava de história também. Quando eu voltei para o Brasil, eu encontrei aqui uma revista que estava em seu terceiro número e não ia bem chamada A Gula, onde eu entrei e fui seu diretor por 17 anos. Aí eu comecei a escrever sobre esses temas todos.
Folha: E os livros?
José Antonio: Eu sou um escritor por acaso, porque eu tenho muitas crônicas escritas, mais de 800. Já publiquei muitas, nesses nove livros. É um nicho que eu descobri, o futuro é esse, né?
O jornalista tende a ser generalista, a fazer tudo, no começo tudo bem, mas depois tem que se especializar. Eu escolhi por isso, para me diferenciar. Esse último livro, por exemplo, “Massa – Mangia Che ti fa felice”, ele foi tão bem que a editora me convidou para fazer uma série, e provavelmente será traduzido para o italiano, porque na Itália essas histórias são conhecidas mas não estão reunidas em nenhum livro. Em fevereiro de 2018 eu entrego o terceiro livro da série, que vai ser sobre sanduíches, aí entram o bauru, o chivito do Uruguai, churi pan da Argentina, o misto quente e outras histórias.
Folha: Dessas comidas de rua, qual é a melhor para você?
José Antonio: Eu não saberia eleger qual é a melhor, mas eu fiquei impressionado com a qualificação do hambúrguer, porque hoje em dia tem o hambúrguer gourmet, que agora é feito com um cuidado que antes não existia, como a quantidade de gordura que antes era algo em torno de 30% e agora está em 15%; a granulação da carne também; o pão, etc. existem hamburguerias hoje que são verdadeiros restaurantes.
Folha: E o convite para ser patrono da Feira do Livro, como você recebeu?
José Antonio: Ah, honradíssimo. Olha, pode parecer falsidade, mas não é, eu fiquei sensibilizado realmente! Você ser reconhecido na sua terra tem um peso e um valor incalculável, inestimável. É ser reconhecido pela casa de seus pais, de sua família, é tudo que queremos.
Folha: Nossa feira é relativamente nova. Como você a avalia?
José Antonio: Eu fico impressionado mais é com a mobilização das pessoas em torno da feira. Elas a consideram um ponto de atração, um evento social, onde se coloca a melhor roupa, quer dizer, as pessoas prestigiam mesmo.
Folha: Qual é a sua expectativa com relação aos livros impressos?
José Antonio: A tendência é desaparecer. Pela praticidade, pela velocidade que o digital proporciona. Eu sou do tempo do papel ainda, tenho uma biblioteca imensa, gosto de manusear, de riscar, enfim. Com relação às mídias eletrônicas, elas são, sem dúvidas, o futuro, mas o papel ainda transmite uma perenidade que o digital não tem.
Folha: sobre a família...
José Antonio: Casado há quase 50 anos com outra pedritense, Andrea Gonzalez, pai de duas filhas e avô de um neto e duas netas que já nasceram paulistanos. Minha filha mais velha é jornalista, editora da Veja; a outra é advogada, professora de Direito Penal. Mas eles têm uma relação muito forte com Dom Pedrito, que visitam todos os anos.
Folha: Quais são os planos para o futuro?
José Antonio: Agora vou me dedicar a escrever livros, porque senão as coisas se perdem, eu tenho alguns trabalhos de pesquisa que eu fiz, porque o que eu faço demanda uma pesquisa não é?! Então eu tenho a pretensão de que isso seja útil para outras pessoas.
Mensagem a Dom Pedrito: desejo que a cidade continue como é, acolhedora, que enfrente seus problemas, que são muitos na verdade, como a violência, por exemplo, mas isso passa, outros países chamados de Primeiro Mundo já passaram por isso e hoje são exemplos de civilidade.
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