Nosso entrevistado esta semana é um cidadão que, apesar de não ser um pedritense nato, aqui reside há tanto tempo que ele já se considera como um filho da Terra do Ponche Verde. O que ele tem de especial para estar nesta página? Bom, como o leitor tem percebido, esta página traz quase que semanalmente um personagem que, por seus feitos, sua importância junto à comunidade local, ou por sua história de vida é convidado por nossa redação a participar deste trabalho onde tentamos, como uma forma de homenagem, destacar e contar suas histórias, porque afinal, todo mundo as tem. João Valdomiro, proprietário da Dilomaq, loja que no seu início trabalhava com manutenção de máquinas de datilografia, chamou inicialmente a nossa atenção justamente por ser na atualidade o único profissional que ainda faz a manutenção desses equipamentos e embora o mercado tenha praticamente desaparecido, ele, por muitos anos, foi a única pessoa capacitada na cidade neste nicho de mercado. Mas, vamos ao que nosso entrevistado nos contou: João tem 50 anos de idade, é casado e tem sete filhos, todos pedritenses. É natural de Alegrete e chegou à Dom Pedrito no início dos anos 1990, na época com 21 anos de idade. Quem o trouxe para a Capital da Paz foi Airton Tuerlinckx, que vendia máquinas de escrever e calculadoras. Mas antes de sua vinda, João Valdomiro já trabalhava em Alegre com a manutenção de máquinas de escrever.
Sobre como ele aprendeu a profissão, João disse "Você sabe que a vida da gente dá muitas voltas, e quando se é pobre, não podemos fazer muitas escolhas, é preciso aprender as coisas, a fazer o seu autoconhecimento, buscar o seu espaço e quando eu era pequeno, almejava ter uma profissão e nessa época as coisas eram muito difíceis. Eu tinha 16 anos, e comecei como auxiliar de mecanógrafo, ofício que aprendi na prática, mas o período dentro da meconografia foi muito curto, por conta do avanço tecnológico e o consequente processo de desuso das máquinas de datilografia. Como eu já estava em Dom Pedrito, e vendo a necessidade de acompanhar a tendência do mercado e prover o meu sustento, comecei a fazer cursos na área da informática e eletrônica. Atendendo a necessidades do setor e pedidos de clientes, incursionei no ramo das máquinas de costura, o que me rendeu o apelido de professor Pardal, por trabalhar com equipamentos bem diferentes. O que acontece é que eu procurei expandir o meu conhecimento, porque todas as profissões têm o seu auge e o seu rareamento. Se você focar em uma só profissão, fatalmente o fracasso virá. Em determinado momento de minha vida, com os filhos já criados, ingressei na faculdade de Engenharia da Computação, que infelizmente não pude concluir, em virtude dos afazeres de trabalho, do convívio da família estar ficando prejudicado, e na impossibilidade de conciliar as duas coisas, preferi trancar temporariamente a matrícula do curso, mas ainda pretendo concluí-lo".
Residindo há 29 anos na cidade, ele fala com orgulho que hoje seu coração bate por Dom Pedrito, como se aqui tivesse nascido, a terra que lhe deu tudo que tem, a família, a realização profissional, os amigos. Considera que mesmo por fatores financeiros, não se afastaria da cidade que o acolheu, tamanho é o seu amor por este pago.
João mencionou que embora tenha migrado das lendárias máquinas de escrever para os equipamentos eletrônicos, vez por outra recebe pedidos de pessoas que ainda conservam os equipamentos, seja como objeto de decoração, como item de colecionador, embora seja cada vez mais difícil encontrar algumas peças, até porque as empresas do ramo não existem mais ou também migraram para outras atividades.
Perguntado sobre as áreas que trabalhou e ainda trabalha, em qual delas mais se realizou, João revelou que se realiza diariamente, não apenas com o retorno financeiro que sua profissão traz, mas no conhecimento que adquire a cada dia vivido. E mais: "Não tenho saudade do tempo das máquinas de escrever porque cada avanço que faço na minha vida é uma realização. Eu não tenho saudade do passado porque penso que as coisas têm que se renovar constantemente. Foi assim com as máquinas de escrever e está sendo com os computadores e máquinas de costura, por isso não tenho tempo de ter saudade do passado, porque o futuro me fascina bastante, principalmente na área da informática que está constantemente avançando. Fico feliz e ao mesmo tempo triste porque sei que a prestação de serviço está com os dias contados, mas é assim, quando as novas formas de vida surgirem, precisamos nos adaptar e se eu puder me adaptar pautando minha conduta na honestidade, lá eu estarei.
Sobre racismo e preconceito
De origem negra, João contou que, infelizmente, já enfrentou situações em que esse tipo de comportamento o prejudicou ou causou algum desconforto perante a sociedade. "Mas hoje eu não saberia dizer se existe o racismo como antes, porque existe uma tolerância muito grande, as pessoas hoje em dia te toleram, mas é uma minoria que parece estar com a mente ainda no século XIX, o que eu penso ser uma questão cultural, e também familiar, onde as crianças se espelham em comportamentos observados em seus pais. As poucas vezes que eu sofri o racismo, eu pude perceber que esse preconceito vinha de pessoas totalmente infelizes, que não têm um círculo saudável de amizades. São pessoas que precisam dar vazão às suas frustrações sobre outras pessoas. Em algumas dessas ocasiões, chegaram a me prejudicar profissionalmente. Houve momentos, inclusive, que eu pensei em ir embora de Dom Pedrito", falou João, emocionado, dizendo, ainda, que foram momentos difíceis, quando seus filhos eram ainda pequenos, mas ao mesmo tempo, tinha o desejo de alguém que veio de outra terra para trabalhar, e vendo que também existiam pessoas muito boas na cidade, isso fez com que perseverasse, além de sua própria família que se constituiu um incentivo, afinal, João precisava mostrar a eles que era capaz de fazer a diferença em suas vidas. "Eu percebo muito mais o preconceito social, do que o de cor, que acaba por pesar muito mais na vida das pessoas. Hoje eu tenho amigos em todas as camadas da sociedade, e me sinto reconhecido quando amigos me dizem que sou o mesmo desde quando aqui cheguei sem nada, e hoje, com minha vida estabilizada, receber esse tipo de observação, é muito gratificante. Por isso, em Dom Pedrito, eu me considero uma pessoa realizada, eu agradeço muito à comunidade que me abraçou como cidadão, me deu ótimos amigos, pessoas que me abriram as portas. Agradeço, também a Deus por tudo que eu tenho e é assim que tem que ser, tudo que possuímos, na realidade é um empréstimo que o criador nos concede. A partir do momento que nós vermos isto desta forma, a sociedade será bem melhor".
Para o futuro, João nos contou que espera ver, ainda, Dom Pedrito se tornar uma cidade melhor em todos os sentidos, mas principalmente na questão de infraestrutura, porque o povo é maravilhoso. "Gostaria que os pedritenses natos valorizassem mais a sua cidade, porque Dom Pedrito é a sua casa. Em minha vida particular, espero continuar sendo acolhido como um filho de Dom Pedrito, que já me considero.


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