Carlinhos, como é amplamente conhecido, realmente dispensa apresentações. Todos o conhecem como o Carlinhos da Aspedef, mas se engana quem pensa que ele frequenta a entidade somente por conta de sua deficiência visual, pois Carlinhos é servidor municipal concursado há 26 anos e lá atua como telefonista e recepcionista. Bom, nossa reportagem esteve na semana que passou em seu local de trabalho para um bate papo. A conversa foi bastante informal, como costumam ser as entrevistas que publicamos nesta página, onde quase que semanalmente apresentamos um personagem que não precisa ser necessariamente um pedritense, mas uma pessoa que por seus feitos, seu modo de vida e sua história junto à nossa comunidade, justifiquem a sua participação neste espaço, e tenham a certeza de que a Capital da Paz os tem em grande número, tanto é que nós, do Folha da Cidade pensamos ser difícil conseguir um dia, homenagear a todos aqueles que são dignos das mais elevadas distinções. Mas passemos de agora em diante, àquilo que registramos da conversa que tivemos com Carlinhos:
Carlinhos é pedritense nato. Com 50 anos de idade, é filho de Terezinha Cardoso e Alexandre Goulart. Como ele teve um problema de visão aos 6 anos de idade, fruto de uma catarata congênita, além de uma paralisia que afetou boa parte de lado direito de seu corpo, não pode ter iniciados os seus estudos como qualquer criança. Após duas cirurgias sem sucesso, Carlinhos se submeteu a outro procedimento em Porto Alegre, o que fez com que ele recuperasse sua visão, então dos 10 aos 15 anos, enxergou novamente. Ele narrou que num belo dia, aos 15 anos de idade, portanto, deitou para dormir e no dia seguinte, quando acordou, estava completamente cego, como é até os dias de hoje. Carlinhos conta que nos primeiros tempos, como é natural para um jovem em plena adolescência, foi muito difícil enfrentar os desafios que uma deficiência como esta impõe a uma pessoa. O isolamento e o desânimo, a ponto de não querer mais sair de casa foram consequências que estiveram presentes por algum tempo em sua vida nesta fase, mas que com o apoio da família, principalmente, foram superados, passo a passo. Obviamente que as primeiros passeios a pé, acompanhado por seu irmão e sua mãe, foram desafiadores, porém, igualmente importantes nesta nova etapa que se iniciava. Quando, finalmente, conheceu Terezinha de Fátima Mario Camponogara, hoje vereadora e uma das lideranças da Aspedef, Carlinhos, ao ingressar na entidade, enfim aprendeu a andar sozinho na rua. Em 1990, em Porto Alegre, realizou estudos em Braille, o que também contribuiu para a ampliação de seus horizontes.
A deficiência visual
Carlinhos contou que sua perda da visão é total, mas por tratar-se de uma pessoa que não nasceu com essa deficiência, ou seja, Carlinhos ficou completamente cego aos 15 anos de idade, quando já conhecia os lugares da cidade, já tinha seu arquivo visual do mundo consolidado em sua mente, o que de certa forma contribuiu para que ele reaprendesse a desempenhar as suas tarefas. Bom, excluindo a deficiência visual, Carlinhos é uma pessoa normal, e é com relação a uma questão em especial que nosso entrevistado nos surpreendeu - sobre os sonhos. Como dissemos, por ele ter uma memória visual gravada em sua mente por conta do tempo que enxergava normalmente, em seus sonhos, é como se ele recobrasse a visão - todas as ocorrências que ele vivencia através dos sonhos se dão como se ele não possuísse a deficiência. "Quando eu sonho, eu vejo normalmente e encontro, muitas vezes pessoas que nem conheço. Nós (pessoas com deficiência visual) imaginamos as coisas e as pessoas, gravamos a sua voz ", disse Carlinhos. Uma suposição da maioria das pessoas com relação à audição das pessoas cegas, foi confirmada por ele. "Nossos olhos são os ouvidos". Aliás todos os sentidos de uma pessoa cega são mais exigidos e por isso acabam ficando mais desenvolvidos. Carlinhos mora com um irmão, sua cunhada e dois sobrinhos - uma moça de 18 anos e um menino de 13 anos. Quando nosso entrevistado falava da família e dos amigos era sempre ressaltando a importância do apoio recebido de todos eles, visto que no começo de tudo, muitas vezes ele se perguntava o porquê aconteceu tudo isso com ele - primeiro a paralisia, depois a cegueira, "Eu achava que eu não era merecedor de tudo aquilo, mas hoje eu aceito minha condição, com minha família que me apoia e a Aspedef que, além de ser a minha segunda casa, é também a minha família", falou nosso protagonista.
Assinante do Folha da Cidade
Isso mesmo, apesar da impossibilidade de ler o jornal, Carlinhos diz que está muito feliz em ter uma assinatura do Folha. Supus, por lógica, que alguém lê as matérias para ele, e é assim que funciona. "Meus sobrinhos, minha cunhada ou meu irmão leem o jornal para mim, e assim vou me inteirando das notícias da cidade". O mesmo funciona com as imagens que ilustram as matérias, que vão sendo descritas para ele.
O dia a dia
Carlinhos conta que desenvolve suas atividades normalmente e talvez a que mais impressione a todos é o fato de andar sem qualquer auxílio nas ruas, tanto é que ele vai para o trabalho e volta para casa todos os dias a pé e sozinho. Ele contou que isso é um pouco mais fácil pelo fato de ele ter conhecido o caminho antes de ficar cego e que o resto vem com a prática. Mas não é só o caminho da casa ao trabalho que ele percorre, mas quase todas as ruas da cidade. As que ele considera mais difíceis de andar são a Júlio de Castilhos e a Barão do Upacarai, justamente pelo maior fluxo de pedestres e de veículos, o que dificulta um pouco a travessia de um lado para outro. "Mas hoje não preciso mais pedir ajuda para atravessar, eu só chego na esquina e já chega alguém para me ajudar. Eu sempre digo para as pessoas - a primeira coisa que nós temos que ter é humildade e consideração com todos, porque como você vai me ajudar se eu chegar com brutalidade? Não dá, né?", pontuou Carlinhos, que a cada frase mais nos emocionava com suas colocações simples e sinceras, típicas das pessoas que, resignadas, veem somente o lado bom da vida. Hoje, as únicas coisas que ele não consegue fazer são cozinhar e limpar a casa. Arrumar a cama, tomar banho, fazer sua higiene pessoal, fazer a barba, tudo isso Carlinhos "tira de letra". Como maior dificuldade por ele enfrentada, não só por quem possui deficiência visual em algum grau, mas por qualquer pessoa, ele elegeu as ruas da cidade e as calçadas que estão muitas esburacadas, o que exige atenção redobrada na hora de andar por elas. "Hoje, eu agradeço a Deus a quantia de amizades que eu fiz. Em qualquer lugar que eu vou as pessoas chegam em mim e dizem que me conhecem, então isso é muito gratificante". Quando em casa, gosta de escutar músicas, escutar a televisão - uma novela, um telejornal, e como um bom gremista, acompanhar os jogos do tricolor, no que é auxiliado pelo sobrinho.
O trabalho na Aspedef
Carlinhos, como mencionamos acima, trabalha como recepcionista e telefonista na entidade das 7h30min às 13h30min e um detalhe interessante é que ele tem decorados todos os números de telefone que utiliza regularmente. Após esse horário, Carlinhos estende sua jornada até as 17h de forma totalmente voluntária, o que mostra o seu desprendimento e compromisso com uma entidade que, como ele mesmo disse, é a sua segunda casa e faz parte de sua família, no que ele disse: "Eu acho que a gente precisa se doar um pouco".
Ele revela, ainda, que hoje se considera uma pessoa feliz e realizada. O que pudemos perceber é que a deficiência visual foi apenas mais uma pedrinha no seu caminho, como tantas a que estão expostas a todas e quaisquer pessoas, mas que com o apoio de bons amigos, de familiares comprometidos, não há o que não possa ser superado. Para o futuro, Carlinhos pretende seguir suas atividades profissionais e se aposentar, aproveitar a vida junto das pessoas que lhe são caras.
A mensagem final
"Eu digo que as pessoas não tenham pena da pessoa com deficiência, mas que a ajudem. Não adianta dizer assim - 'Pobrezinho do ceguinho'. É preciso, sim, que haja o auxílio. Para quem está passando pelo mesma situação, que não se deixe abater, que se apoie nos amigos, na família e em Deus, porque dá certo, a deficiência visual não é o fim, não entrem em depressão. Uma prece no início do dia e no seu final são, também, indispensáveis. Se as pessoas quiserem ajudar, permita-se ser ajudado, porque a vida segue.

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